O que aprendi sobre trabalho em equipe e colaboração… dançado!

As lições que se aprende na prática no mundo da dança e que você pode levar para sua vida profissional e acadêmica.

Aline de Campos
10 min readOct 25, 2020
Cia de Dança Tanz da Universidade de Passo Fundo — Espetáculo "As quatro estações de Astor Piazzolla" (2004)

Algumas pessoas que me conheceram nos últimos 10 anos, talvez nem imaginem que por 18 anos da minha vida eu participei de grupos e companhias de dança. Algo que acompanhou parte da minha infância, toda minha adolescência e parte da vida adulta e que moldou muito da minha visão de mundo. Hoje, depois de alguns anos fora dessa realidade, consigo enxergar o quanto viver tudo isso influenciou minha visão e atuação em equipes e processos colaborativos.

Há bastante tempo quero compartilhar alguns paralelos e insights sobre a vivência em grupos e companhias de dança e seus contextos e a visão sobre trabalho colaborativo e relacionamento em equipes de trabalho que vivo há muitos anos na vida profissional e acadêmica. Pode parecer algo distante, por isso vou tentar me fazer entender.

Minha história com a dança

Iniciei no Ballet Clássico aos 7 anos numa pequena escola próxima da casa em que morava em Passo Fundo (RS). Passei alguns anos neste lugar, fazendo Ballet Clássico e treinando piruetas e espacates na sala da minha casa.

Em 1991, Alininha com 7 anos concentrada na apresentação do Grupo de Ballet da Escola Cirandinha.

Mas, existia uma academia de dança na qual eu queria muito entrar. Até que consegui convencer meus pais a me colocarem na Ballerine Escola de Danças, um local bem maior e mais estruturado. No primeiro ano fiz apenas Ballet, mas já queria muito fazer outras modalidades.

Em 1995 eu e minhas colegas de "camponesas" no espetáculo de final de ano da Ballerine Escola de Dança.

Depois disso, comecei a fazer Jazz Dance e me apaixonei completamente pela modalidade. Até hoje é o estilo que mais amo dançar, assistir, ler sobre.

Festival Bento em Dança de 1997 — Essa coreografia de jazz do meu mestre Fernando Franciosi é inesquecível!

Aos 14 anos comecei a fazer Dança de Rua (o Street Dance dos anos 90), hoje chamado de Danças Urbanas. A partir daí também experimentei outras modalidades como Dança Contemporânea, Dança do Ventre e Dança de Salão. Aos 16 iniciei como monitora de uma turma de crianças no Ballet Preparatório da Ballerine até que chegou o final do ensino médio e com ele o ingresso na faculdade.

Eu estava decidida a fazer Ciência da Computação (por que eu não fiz faculdade de dança? Bom, isto fica para outro post :P). A boa alternativa que eu tinha para continuar dançando era tentar ingressar na Cia de Dança Tanz da Universidade de Passo Fundo. Então, passei pela seleção e ganhei bolsa de estudos para graduação. Fiquei lá por 5 anos até o final da minha faculdade. Ao mesmo tempo durante todo esse período fui professora de Jazz Dance e Dança de Rua na Petipa Espaço da Dança. Pois é, minha primeira experiência como professora foi com dança ;)

Meu último ano em Passo Fundo com as minhas alunas de Dança de Rua em um festival em 2006.

Depois disso, me mudei para Porto Alegre e tive mais alguns períodos de experiências em escolas de dança e grupos na SOGIPA, no Batida de Rua Base e na Cadica Escola de Dança.

Okay, este é um resumo rápido (e ilustrado, com uma certa vergonha, confesso!) de uma história de 18 anos ininterruptos na dança e muitos aprendizados. Acho que assim fica mais fácil entender de onde falo sobre as questões a seguir.

Como funciona um grupo de dança?

O que é muito fascinante em um grupo de dança é a necessidade imprescíndivel de equilibrar colaboração e competição. Grupos de Dança são ambientes por natureza competitivos e não há muito como fugir disso. Mas, para as coisas realmente funcionarem é necessário um grau de colaboração enorme. Vou tentar descrever alguns aspectos desta dinâmica.

Protagonismo X Bastidores

Em um desenho coreográfico, se você estiver na primeira fila no meio ou na quarta fila à direita, espera-se o mesmo empenho. Se você for o destaque daquela sequência de movimentos ou parte corpo de baile, você tem que seguir o que foi combinado com todos. Você tem que realizar a sua parte para que o restante funcione. Então, aprende que sendo protagonista ou não, você é parte relevante do processo.

Tanz no Festival Santa Maria em Dança em 2003 e uma coreografia sensacional do mestre Fernando Franciosi.

Além disso, você pode nem estar no palco. Se você é professora e coreógrafa, vai passar horas pesquisando, criando, experimentando. Outras muitas horas ensinando a coreografia ao grupo, ensaiando e "limpando" (expressão que usamos para revisar os movimentos, alinhar posições e deixar tudo harmônico). E quem vai brilhar no momento da apresentação são os integrantes do grupo e não você! Mas, a sua satisfação em ver o sucesso do grupo, não vai ter preço! Então, você aprende a importância da atuação nos bastidores.

Alinhamentos e comprometimento

Você pode conseguir subir sua perna em 180 graus e sustentá-la lindamente por muitos segundos. Se a coreografia define que a perna deve subir em 120 graus, é o combinado!

Outro momento do Tanz no Festival Santa Maria em Dança em 2003 — buscado sincronia!

Prioriza-se o que foi definido em detrimento das habilidades individuais. É mais importante o conjunto, do que as suas grandes capacidades. Você tem que aprender a adaptar-se ao conjunto. Vão existir momentos em que essas habilidades individuais serão importantes e utilizadas, por isso não significa se contentar com pouco, mas sim adaptar-se ao momento e comprometer-se com o resultado esperado.

Esforço, ensaio, repetição, aprendizado

Talvez você dê o melhor de si em todos os ensaios, repita cem vezes um mesmo passo até ele parecer perfeito e mesmo assim você será cobrada a tentar fazer melhor.

Em 2007 no Espetáculo de 15 anos da Cia de Dança Tanz — reuniões, combinações, marcações de palco…

Você vai aprender de muitas formas: pela observação dos colegas, por feedback dos professores/ensaiadores e por sua autocrítica. Você vai assistir aos vídeos das apresentações e pensar que na próxima vez deve fazer melhor tal parte. E na próxima vez vai tentar fazer melhor.

Não é à toa que as aulas e ensaios são de frente para o espelho. Enxergar-se a si e aos colegas o tempo todo é um processo de aprendizagem. Pela comparação você pode enxergar algo que está fazendo errado. Você pode dar uma dica para um colega, ajudar a chegar em um processo em comum. Dançando de frente para o espelho você enxerga a sua performance própria e com e grupo e percebe mais claramente o que precisa melhorar ou mudar.

Jogo de cintura

Você vai ter que aprender desde cedo a lidar com imprevistos, a resolver problemas de forma criativa e rápida e tentar manter a calma em momentos de ansiedade. Os espetáculos e festivais de dança são uma escola paralela nisso tudo. Existe uma data e hora para as coisas acontecerem e o espaço é sempre diferente do que você está acostumado. Além disso, existem muitas pessoas para assistir e avaliar.

Você vai passar 100 horas fazendo aulas, aprendendo uma coreografia e ensaiando para apresentar tudo aquilo em 5 minutos. E são esses 5 minutos e todas as potenciais coisas que podem acontecer nesse tempo que vão determinar o sucesso ou fracasso da apresentação.

  • Mudar as posições de uma coreografia 10 minutos antes de entrar no palco porque uma colega passou mal e não vai poder se apresentar.
  • Uma parte do seu figurino que se desprende no meio da apresentação ou um pedaço do figurino de um colega que cai no meio do palco e todo grupo tem que cuidar para não pisar e/ou escorregar.
  • Um palco muito maior (ou muito menor) do que o espaço que você passou horas ensaiando e a necessidade de adaptar a coreografia ou os posicionamentos pouco antes do início da apresentação.
  • A música que engasga, não entra, para no meio da coreografia e você precisa ser capaz de tomar decisões rápidas.

Isso são só algumas das coisas pelas quais você certamente vai passar em apresentações de dança.

Ganhar e perder

As competições e festivais te ensinam a aprender a ganhar, e principalmente, a perder. Porque em Festivais de Dança a probabilidade é muito maior de você perder do que ganhar.

Tanz no Porto Alegre em Dança em 2004 — não ganhamos, mas a platéia amou e fizemos bonito ;)

Você pode se achar a melhor dançarina do seu grupo, participando de um festival você "sai da bolha" e percebe o quanto tem para aprender. Além disso, você aprende a lidar com expectativas e realidades.

Já no ensaio geral você percebe o quanto o seu grupo tem ou não chances de uma boa colocação. E mesmo que fique claro que o seu grupo pode não ter muitas chances de conquistar os primeiros lugares, vocês tem que dar tudo de si e fazer o melhor possível. Outra questão são os resultados injustos. Vão acontecer mais cedo ou mais tarde e pelos mais diversos motivos.

Aprendendo com a frustração

Lembro de algumas ocasiões, enquanto era criança ou ainda era pré-adolescente que me marcaram. Eis alguns exemplos:

Exemplo 1: sempre fui uma pessoa alta para minha idade, mesmo com 8 ou 9 anos eu já era mais alta que as coleguinhas. Mas, meu professor de dança havia me colocado na frente. As mães de outras meninas reclamaram pois suas filhas eram mais baixinhas. Ele trocou meu lugar para a fila de trás, mesmo, ao que parece, eu dançando melhor do que as mais baixinhas.

Lição: às vezes você vai ser a melhor, a mais esforçada e dedicada, mas outras questões podem te tirar do destaque que você merece.

Exemplo 2: quando eu tinha uns 12 anos, passei quatro meses ensaiando uma coreografia onde em determinado momento fazia um duo com certo destaque. Acontece que dias antes da apresentação uma das colegas teve um problema e não pode mais dançar. Então o coreógrafo me "rebaixou" a corpo de baile para fechar o número par necessário e a minha colega fez um solo.

Lição: nem tudo vai funcionar como você quer, às vezes você precisa fazer concessões para que a equipe funcione.

Nunca fui muito boa em Ballet, nunca tive um "corpo de bailarina" (mesmo quando eu era muito magra), não tinha um pé muito bonito (com peito de pé acentuado), não nasci com flexibilidade. Então, no Ballet sempre fui mediana porque me esforçava bastante para compensar todas estas questões. Mas, no Jazz eu me encontrei! Ali eu percebi que poderia ser realmente boa, além de gostar muito mais. Porém, o Ballet me dava diversas habilidades que eram úteis ao Jazz e as demais modalidades. Então, durante todo esse tempo, nunca deixei de fazer aulas de Ballet. Eu gostava? Sinceramente, não. Mas, eu sabia que era necessário para o meu propósito maior que era o Jazz.

Lição: você vai ter que fazer muitas coisas que não são as suas preferidas, para que possa fazer bem o que você gosta de verdade.

E por que depois de décadas eu ainda lembro tão bem disso?
Porque em nenhuma dessas situações citadas eu fiquei feliz. A dança era parte fundamental da minha vida. Eu era comprometida quase que profissionalmente com a dança desde muito cedo. Exagerei muitas vezes em ensaios exaustivos sozinha no meu quarto. Cai, me machuquei, senti dores, perdi unhas dos pés, cãimbras diárias. Mas, eu tinha um propósito que era: fazer o melhor que eu poderia e sempre buscar superar o melhor que eu conseguia.

Privilégios X Oportunidades X Conquistas

Na Cia de Dança da Universidade, como eu era bolsista, tratava-se de uma espécie de trabalho e o grupo era considerado pré-profissional. Foi lá que eu aprendi as maiores lições sobre equipes. Existiam as pessoas que já eram conhecidas anteriormente, as pessoas com vínculos familiares com os coordenadores e professores da Cia, as pessoas que já haviam dançado a vida toda (o meu caso!) e aqueles que estavam recém começando por conta da oportunidade de bolsa.

Cia de Dança Tanz da UPF antes de uma das centenas de apresentações que fazíamos :)

Esta mistura de pessoas com diferentes históricos gerava MUITAS situações, muitos comentários e, sim, muitos momentos desconfortáveis (ainda mais se tratando de um grupo de faixa etária entre 18 e 25 anos!).

Equipes diversas são ricas em oportunidades, mas só será possível aproveitar esse potencial se todos conseguirem enxergar isso. A maioria de nós era muito inexperiente na vida, no trabalho, éramos bastante imaturos nesta época, mas vivemos nossos momentos de grupo intensamente.

Hoje eu percebo como eu era imatura em diversas situações. Comprava algumas brigas (muitas! hihihi) desnecessárias, me preocupava em defender outros colegas e a mim em situações que deveríamos ter ignorado e sermos mais confiantes. Brigava muito por um tratamento igual para todos, sem abertura de exceção para “os preferidos” (mesmo em alguns momentos eu sendo considerada do time dos "preferidos") quando na verdade teria sido mais inteligente usar da minha posição para dialogar e articular com as pessoas, muito mais do que bater de frente com elas.

Espetáculo do Tanz de 2003 que representava a diversidade de sentimentos.

Mas, nessa experiência toda existiu a licença da juventude. Obviamente continuei (e continuo!) errando muito nesses anos longe da vida artística e mais focada na vida acadêmica e profissional. Mas, sinto como se tivesse sido um intensivo de aprendizados que começam a fazer mais sentido durante a vida adulta.

E então?

Obviamente, que tudo isto aqui não é para dizer que acho que sou ótima trabalhando em equipe ou sou a rainha dos processos colaborativos! Tenho bastante o que aprender ainda sobre isso. Na verdade, continuo aprendendo com cada situação que me acontece. Tentei aqui compartilhar alguns insights, aprendizados e coisas que TENTO estar sempre atenta.

Talvez o que me desperta ainda alguma surpresa é chegar ao 36 e ver que pessoas da minha idade ou mais parecem não perceber algumas das questões fundamentais para trabalho em equipe e processos colaborativos. Pelo menos eu fico feliz por entender cada vez mais tudo isso, mesmo que executar seja um exercício diário de autoanálise.

Se você chegou até aqui e teve sua experiência em grupos e companhias de dança, compartilha comigo, vou adorar! Se você nunca dançou, mas quer falar sobre visão de time e processos colaborativas, estou aqui!

Vamos trocar ideias ;)

--

--

Aline de Campos

consultora educacional; professora; doutoranda em informática na educação; mestre em comunicação e informação; bacharel em ciência da computação;